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Sentença procedente ou receber o que se quer?

Atualizado: 29 de jul. de 2023

Ganhar o processo e receber o que sequer está longe de ser sinônimo; está mais para um paradoxo tragicômico comum em processos judiciais. Isso quer dizer que não raro ter a sentença procedente não significa ter deferido o que efetivamente se pretendia. E mais, ganhar a sentença não significa sequer receber (de fato) aquilo que que se ganhou.


Resumindo: no processo judicial, a vitória não é certa; ganhar o processo não significa ganhar efetivamente o que se queria; ganhar o processo não quer dizer que o que se ganhou será efetivamente materializado ou cumprido pela parte perdedora.


Por certo, esse descompasso já deveria - por ser muito comum - ser previsto pelos advogados e conversado com seus clientes. No entanto, o que se verifica é exatamente o oposto.


Isso corresponde ao fenômeno da “cultura da sentença” como assim o denomina Kazuo Watanabe (Cultura da sentença e cultura da pacificação, 2005), pelo que a solução de um conflito jurídico é sempre alienada ao Estado (sentença judicial), renunciando as partes seu protagonismo em busca da solução negociada.


A par da relevância da arbitragem que também é uma forma de adjudicar a um terceiro a solução do conflito, certo que a solução judicial através da sentença possui mais dificuldades em agradar todos os envolvidos. Isso porque na sentença judicial além de o juiz estar preso a determinadas fórmulas (e assim deve sê-lo no Estado Democrático de Direito), nem sempre a postulação judicial corresponde ao efetivo interesse do peticionante. Isto é, não raro o interesse de fato não encontra uma subsunção jurídica exata, havendo distorções entre o que se quer e o que se pode pedir juridicamente.


Quando se leva a questão conflituosa para formas não adversariais, nas quais os envolvidos podem revelar seus reais e efetivos interesses, é possível a construção negociada de uma solução que atenda efetivamente a esses interesses. Note-se que por não haver formas rígidas e porque está-se no âmbito da autonomia da vontade das partes (pode-se contratar tudo o que não for defeso em lei) é possível literalmente agradar gregos e troianos. É possível ganhos mútuos. Acima de tudo, é possível obter-se o que realmente se quer (ou muito próximo disso).


Cabe lembrar que a segunda grande dificuldade que se verifica na sentença judicial (executar seu conteúdo ainda que não seja o que se queria, mas era o que se ganhou) a outra parte dificulta ao máximo seu cumprimento ou descumpre totalmente. O conflito não foi resolvido, ganhar a sentença não resolveu o problema, muitas vezes aumenta o problema.


Nesse segundo defeito da sentença, as soluções negociadas, por serem negociadas e não impostas, e geralmente por atenderem interesses mútuos, tendem a ser efetivamente cumpridas pelas partes. Já que os interesses mútuos foram atendidos, já que a solução foi uma construção sinergética das partes, já que não há imposições ou arbitrariedades, o cumprimento é mais espontâneo e natural. Por certo, distorções existem, por certo descumprimento existem, mas a estatística de cumprimento espontâneo dos entendimentos negociados é superior ao impositivo sentencial.


Agora, diante de tudo isso, por que ainda há a “cultura da sentença”? Por que insistir na solução impositiva quando a negociada tenderia a colmatar os interesses envolvidos no conflito entregando às partes o que realmente querem/precisam?

Insistimos que as formas não adversariais de solução de conflitos - tais como mediação, conciliação, negociação - não são uma panacéia, mas podem indicar um caminho para solucionar um grande número de interesses em conflito nas diversas fases que o conflito possa estar. Além disso, a circunstância de alguns conflitos demandarem alguma carga impositiva decisória, mesmo após essa necessária imposição há vasto campo para as técnicas não adversariais.


Os advogados deveriam priorizar as soluções não adversariais para seus clientes como forma de entregar não apenas efetividade e tempo, mas aquilo o que os clientes realmente querem receber.


Lucas Barbosa

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