O controle dos resultados pela Mediação: aplicação da regra de Epicteto
- Lucas Barbosa

- 26 de mai. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de jul. de 2023
O Encheirídion* de Epicteto inicia com uma declaração simples, óbvia, mas negligenciada no cotidiano. Diz a primeira frase do manual: “Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não”**. Ou seja, algumas coisas controlamos, outras não. Disso decorre que dos acontecimentos da vida, parte são controláveis, parte são acaso. Resta saber o que fazer com aquilo que é encargo nosso, no dizer de Epicteto, principalmente no tratamento de conflitos de interesse jurídico, nosso foco.
Obter um resultado implica ações pragmáticas direcionadas, as quais tenderiam a conduzir ao resultado almejado. Isso porque parte das coisas controlamos, parte são acaso, nos lembra Epicteto. Ora, se já é difícil alcançar um objetivo agindo eficientemente no sentido almejado, certamente mais distante não estaria o resultado na mão do acaso? Pois bem, adjudicar a solução de um conflito a um terceiro é alienar-se completamente da possibilidade de controlar o resultado tanto do processo de resolução quanto de seu resultado.

A experiência nas sessões de mediação demonstra que os mediandos e seus advogados não estão alertas para essa circunstância. Não raro preferem deixar na mão do acaso (decisão judicial) do que assumir as rédeas do conflito, controlar seu processo e seu resultado (ou pelo menos parte dele). Por quê? Ora, novamente por experiência profissional, percebe-se que mediandos (e advogados) conformam-se em abrir mão da liberdade - e como tal controlar parte do resultado e por isso ser corresponsável pelo resultado - em detrimento de um terceiro impositivo cuja decisão, por ser impositiva e não construída, não corresponsabiliza. É literalmente um “não fui eu quem quis assim, foi o juiz quem determinou”.
No entanto, essa conduta além de representar um retrocesso em termos de autonomia da vontade, não colabora na obtenção de um resultado satisfatório na solução do conflito. Em verdade, as inovações normativas mais contundentes implantadas a partir de 2015 no Brasil têm chamados os conflitantes a assumirem seu protagonismo e a tomarem consciência de que parte das coisas “são encargos nossos; outras não” e das que são encargos nossos, dessas devemos nos ocupar e envidar esforços na obtenção dos resultados pretendidos.
Quando mediandos (e seus advogados) tomarem consciência de que são os protagonistas da solução do conflito, pois a eles cabe o controle das ações que lhes são próprias, estará pavimentado o caminho para uma solução autocompositiva do conflito. Ainda que para a solução de um determinado conflito sejam imprescindível um provimento judicial impositivo, as partes podem reconhecer (deliberadamente) que esse seja o caminho para a partir daí reiniciarem o processo autocompositivo: uma espécie de sentença-mediação ao estilo da cláusula escalonada “arbi-med” em contratos.
Vê-se, portanto, que não se trata da sentença judicial em si, mas da conscientização pelos envolvidos de que essa seja, ou não, a melhor via para solucionar o conflito ou parte dele - não um lugar-comum do comodismo e da indolência.
O relevante está, na verdade, na tomada de consciência de que é possível assumir a condução do processo de solução e da própria solução do conflito. Compreender que se parte das coisas são acaso, há espaço para exercício da liberdade e poder de influenciar o resultado. As formas autocompositivas de solução de conflito são os instrumentos moderno de concretização da primeira frase do Enchiridion, tomar parte naquilo que for encargo nosso.
*O Encheirídion de Epicteto é um manual prático de bolso (literalmente) de conselhos éticos estóicos compilados por Lucio Flavio Arriano Xenofonte, aluno de Epicteto. Não se trata de um resumo dos discursos de Epicto, mas o que modernamente diríamos ser um guia prático para o bem-viver estoico.
** DINUCCI, A.; JULIEN, A. O Encheirídion de Epicteto, edição bilíngue. São Cristóvão: EdiUFS, 2012.
Lucas Barbosa




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