Um diálogo entre LGPD e Mediação
- Lucas Barbosa

- 30 de ago. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de ago. de 2023
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que visa proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade dos indivíduos, foi aprovada em agosto de 2018 (Lei nº 13.709/18), com vigência a partir de agosto de 2020 e aplicação de suas sanções a partir de agosto de 2021.

Para aqueles que não se debruçaram sobre o tema, em um primeiro momento, se pensa na LGPD como algo de caráter tecnológico. Mas não, ela carrega em si um fator humano, de preocupação e valorização do indivíduo na medida em que foca nos interesses do cidadão. Neste ponto, verifica-se uma verdadeira correlação com a proposta da mediação, seja em razão de sua essência ou de suas técnicas e objetivos.
Tanto a LGPD, quanto a mediação, focam na importância da liberdade de atuação do indivíduo, seja através da “autodeterminação informativa” (art. 2º, II da Lei n.º 13.709/18) que se refere a faculdade que toda pessoa tem de exercer, de algum modo, controle sobre seus dados pessoais, como o princípio da autonomia da vontade (art. 2º, V da Lei n.º 13.140/15 - Lei da Mediação) que diz respeito ao poder de decidir das partes conflitantes sobre as questões em mediação.
Ainda, LGPD e mediação caminham juntas quando o assunto é privacidade, elemento base da LGPD e motivo de sua existência, forma resguardada na mediação pelo princípio da confidencialidade que assegura ao indivíduo proteção quanto aos temas tratados durante as sessões.
Dentro deste contexto, a mediação (numa interpretação lato senso do instituto) mostra-se como uma grande aliada da aplicação da LGPD, seja em um aspecto preventivo, para implementação dentro da empresa, ou para minimizar ou elidir sanções administrativas e o passivo judicial.
Dificuldades para implementar as mudanças trazidas pela LGPD
Dentre as dificuldades que comprometem a implementação nas empresas das políticas da LGPD estão a cultura organizacional e a resistência das pessoas às mudanças. Somos seres de hábitos, que depois de arraigados exige-se um grande esforço para serem mudados.
Estamos falando de um ambiente com um grupo de pessoas que precisam juntas mudar seus hábitos, não por sua vontade, mas por uma necessidade corporativa. Situações como essa tendem a gerar tensão e tensão é o primeiro passo para o início de uma situação conflituosa.
Neste momento a implementação de técnicas de mediação (entenda-se mediação como um instrumento da gestão de conflitos) é extremamente indicada, pois contribuirá para compreensão e satisfação dos interesses, a partir de um alinhamento de propósito, engajando pessoas e evitando conflitos.
Mediação como ferramenta de governança e os critérios para aplicação das sanções
A Lei n.º 13.709/18 estimula operadores e controladores à adoção de “boas práticas e governança” para a implementação da LGPD, ao dizer que:
Art. 50. Os controladores e operadores, no âmbito de suas competências, pelo tratamento de dados pessoais, individualmente ou por meio de associações, poderão formular regras de boas práticas e de governança que estabeleçam as condições de organização, o regime de funcionamento, os procedimentos, incluindo reclamações e petições de titulares, as normas de segurança, os padrões técnicos, as obrigações específicas para os diversos envolvidos no tratamento, as ações educativas, os mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e outros aspectos relacionados ao tratamento de dados pessoais.
Os artigos que seguem trazem algumas diretrizes para a condução da governança, que tem tamanha relevância neste cenário de proteção de dados, que serve como referência de parâmetro e critério para consideração da gravidade de sanções a serem aplicadas (art. 52, § 1º, inciso IX).
Art. 52. Os agentes de tratamento de dados, em razão das infrações cometidas às normas previstas nesta Lei, ficam sujeitos às seguintes sanções administrativas aplicáveis pela autoridade nacional:
§ 1º As sanções serão aplicadas após procedimento administrativo que possibilite a oportunidade da ampla defesa, de forma gradativa, isolada ou cumulativa, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e considerados os seguintes parâmetros e critérios:
[...]
IX - a adoção de política de boas práticas e governança;
Governança significa ato de “governar” por meio do estabelecimento de regras, práticas, processos e procedimentos, controles e tomada de decisão. A qualidade do processo interno de tomada de decisões estratégicas e o adequado tratamento dos impasses havidos em nível de administração contribuem de maneira significativa para a eficácia das boas práticas de governança corporativa.
O alinhamento dos diferentes interesses e a melhoria da comunicação interna são objetivos que podem ser concomitantemente alcançados através da mediação.
Nesta linha, a mediação vem assumindo papel muito relevante como boa prática de governança corporativa.
Como usar a mediação para reduzir o risco de passivo judicial e evitar sanções da LGPD
De forma muito objetiva pode-se afirmar que o vazamento de dados individuais podem levar a pelo menos duas penalidades: uma sanção administrativa, aplicada pela autoridade nacional, e uma condenação de natureza civil como, por exemplo, danos morais.
Forma de evitar a aplicação da sanção administrativa vem trazida no §7º do art. 52, que dita:
§ 7º Os vazamentos individuais ou os acessos não autorizados de que trata o caput do art. 46 desta Lei poderão ser objeto de conciliação direta entre controlador e titular e, caso não haja acordo, o controlador estará sujeito à aplicação das penalidades de que trata este artigo.
Aqui há de se interpretar a mediação em sentido lato, dentro da ideia de autocomposição ou conciliação. Esta previsão demonstra a intenção da LGPD em proporcionar um ambiente de autocomposição para a proteção de dados pessoais com inúmeros benefícios.
Com efeito, a previsão do art. 52, § 7.º da Lei n.º 13.709/18, beneficia a todos os envolvidos nos conflitos decorrentes de vazamentos ou acessos não autorizados, entre os quais podemos citar: confidencialidade do procedimento, atendimento das necessidades do titular dos dados, diminuindo ou evitando eventual reparação civil, redução de custos jurídicos e do passivo judicial, evitar a criação de precedentes, evitar a sanção administrativa, etc.



Comentários